Edição # 27 | Ano 02 | Janeiro 2022
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Vendas e investimentos

Beatriz Ceschim
Recuperando-se de sucessivos prejuízos, a Petrobras tem vendido parte de seu patrimônio para garantir o futuro de suas operações no Brasil, principalmente na exploração do pré-sal

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Fundada em 1953, a Petrobras é uma das empresas estatais mais importantes do Brasil. Criada para explorar o petróleo brasileiro, a companhia passou por inúmeras mudanças ao longo de seus 66 anos, ampliando seu leque de atuação. Hoje, atua na exploração e produção de petróleo e gás, além do refino das duas substâncias, tem diversos polos petroquímicos no Brasil, atua na área de transporte e comercialização, produz biocombustíveis e ainda faz a distribuição dos combustíveis.

Todas essas ramificações mostram o tamanho da empresa e a sua importância para a economia brasileira, além de seu protagonismo no Mercosul. A marca Petrobras já marcou presença até mesmo em competições do automobilismo, sendo parceira e fornecedora de combustível da equipe Williams de F1, entre 1999 e 2008, retornando entre 2014 e 2016. Desde 2018, o logotipo aparece nos carros da McLaren, mas a parceria será encerrada em 2020.

Porém, mesmo tendo descoberto o pré-sal há mais de uma década, sendo uma das maiores reservas de petróleo do mundo, a situação financeira da Petrobras não é a ideal. A estatal enfrentou sucessivos prejuízos entre 2014 e 2017, viu suas ações despencarem e ainda teve seu nome envolvido em um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil. Para recuperar sua imagem, foi preciso desenvolver um extenso plano de desinvestimento, que representa a venda de diversos ativos da companhia.

Pé no freio

O início da década parecia promissora para a Petrobras. A estatal estava em alta após a descoberta do pré-sal, sendo apontada como a grande responsável por alavancar a economia brasileira. Entretanto, não era apenas a companhia que vivia grande fase. Por ter conseguido atravessar a crise financeira de 2008 sem grandes dificuldades, o Brasil chegou a ser apontado como um dos países emergentes mais promissores.

Entretanto, a euforia durou pouco tempo. Já em 2012, para buscar o equilíbrio das contas, foram anunciados traçadas algumas estratégias pelo comando da Petrobras. Então presidente da companhia, Graça Foster anunciou um plano de desinvestimentos de US$ 14,8 bilhões até 2013. Na época, a ideia era vender as unidades com menos sinergias com a Petrobras, de acordo com a comandandante da empresa. O plano também incluía uma tentativa de redução dos custos de operação, para aumentar a eficiência e a produtividade.

A primeira parte do plano de desinvestimentos, executada entre 2013 e 2016, totalizou US$ 18 bilhões. Um dos primeiros ativos vendidos pela Petrobras foram os blocos exploratórios no Golfo do México, nos Estados Unidos. Em 30 de abril de 2013, a companhia brasileira anunciou a alienação de sua participação de 20% em alguns blocos exploratórios da região. A norte-americana ConocoPhillips acabou sendo a compradora, pagando US$ 110 milhões.

Naquele mesmo ano, diversas outras vendas foram feitas. Uma das maiores foi a da Petroquímica Innova SA, vendida para a Videloar S.A por R$ 870 milhões. O bloco BC-10, conhecido como Parque das Conchas, teve 35% da participação vendida para o Grupo Sinochem por US$ 1,54 bilhões.

Em 2013, os ativos na Colômbia, Uruguai e Peru passaram para as mãos da Perenco, Shell e China National Petroleum Comporation, respectivamente. O montante total dessas três vendas foi de US$ 3 bilhões, aproximadamente.

Pasadena e a Lava-Jato

Dois anos depois, em 2015, a Petrobras seguia seu plano, porém já sob uma nova realidade. Nesse ínterim, diversas denúncias contra a companhia brasileira surgiram. Inicialmente, a suspeita de corrupção na estatal começou com a investigação da compra de uma refinaria em Pasadena, no estado norte-americano do Texas. Os altos valores desembolsados pela companhia brasileira foram questionados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Entretanto, além da refinaria, outras investigações da Polícia Federal apontavam para um grande esquema de corrupção. Iniciada em 2009, a operação Lava Jato intensificou suas ações na petroleira a partir de 2014.

O escândalo colocou a Petrobras no olho do furacão, com diversos executivos sendo acusados de financiarem o esquema de pagamento de propinas. Além desses problemas legais, o preço do barril do petróleo despencou em 2015. Todas essas dificuldades obrigaram a petroleira brasileira a seguir com seu plano de desinvestimentos, em mais uma tentativa de equilibrar a saúde fiscal.

Novas vendas

Os danos à imagem da companhia foram profundos. Houve queda nas ações da empresa e diversos prejuízos nos balanços financeiros. Sem alternativa, a Petrobras seguiu com seu plano de desinvestimento. Tudo para tentar enxugar os gastos e voltar a ter lucro.

Em 2015, a petroleira vendeu os 49% de participação que tinha na Gaspetro para a Mitsui Gás e Energia do Brasil. O valor declarado foi de R$ 1,93 bilhão. No ano seguinte, mais um bloco exploratório saiu do controle da Petrobras. O BM-S-8, localizado na Bacia de Santos, passou para as mãos da Statoil Brasil Óleo e Gás, que é a atual Equinor. Para adquirir os 66% de participação, a empresa norueguesa teve que desembolsar US$ 2,5 bilhões.

A Nova Transportadora do Sudeste (NTS) foi vendida em 2017 por US$ 4,23 bilhões. Ainda nesse ano,

Vista da Refinaria Landulpho Alves – RLAM

grande montante foi arrecadado pela companhia. No dia 22 de dezembro, a Petrobras anunciou o encerramento da oferta pública de distribuição secundária de ações da Petrobras Distribuidora BR. Com isso, foram ofertadas 334.937.500 ações a acionistas da bolsa de valores de São Paulo, que renderam R$ 5,024 bilhões.

Alguns ativos situados na Bacia Austral da Argentina, as filiais argentinas e chilenas da Petrobras, além da refinaria Nansei Seikyu, no Japão, foram outros bens da empresa vendidos na primeira etapa do plano. Segundo levantamento do deputado federal Ivan Valente, entre 2013 e 2016 entraram US$ 18 bilhões nos cofres da estatal com todas essas vendas.

Cenário atual

Mesmo com toda a injeção de recursos, a Petrobras seguia determinada a reduzir seu tamanho. Por isso, a segunda fase do plano de desinvestimentos foi iniciada em 2017, após a aprovação do TCU. Desde então, a petroleira tem vendido e privatizado diversos de seus negócios.

Isso inclui alguns poços de exploração. Desde que a segunda etapa começou, a companhia deixou de ser proprietária de mais de 20 polos de extração de petróleo. Ativos em outros países, como o braço paraguaio da companhia, também foram vendidos para outras empresas.

aspas

Até mesmo a polêmica refinaria de Pasadena entrou na conta. Em 1 de maio de 2019, a Petrobras informou a venda de 100% de suas ações nas empresas que fazem parte do complexo de refino texano. A petroleira norte-americana Chevron foi quem assumiu a operação, pagando US$ 467 milhões, o que daria aproximadamente R$ 1,8 bilhão.

 

Porém, não será apenas Pasadena que será vendida. Em junho de 2019, a estatal brasileira anunciou a primeira fase de um programa de venda de refinarias. Dessa forma, o plano da empresa é repassar para a iniciativa privada metade da capacidade nacional de refino de petróleo.

Para executar esse plano, quatro estações foram colocadas à venda: Refap (Rio Grande do Sul), Repar (Paraná), Rlam (Bahia) e Rnest (Pernambuco). Juntas, as unidades são capazes de refinar 879 mil barris de petróleo por dia. Essas, entretanto, não serão as únicas plantas de refino que vão deixar de fazer parte do grupo da estatal. O projeto prevê que outras quatro unidades sejam negociadas em breve. São elas as refinarias Regap (Minas Gerais) e Manaus (Rman).

A unidade de industrialização de xisto, que fica no estado do Paraná, e a Lubnor, fábrica de lubrificantes sediada no Ceará, são outras atividades que devem ser vendidas. Mais de 1,5 mil km de dutos e 12 terminais de transporte e armazenamento de petróleo também estão nos planos de repasse para empresas privadas.

Liquigás

Ativa desde 1953, a Liquigás fez parte do grupo Agip por 50 anos. Entretanto, em 2004, foi comprada pela Petrobras e passou a fazer parte da infraestrutura da companhia, atuando no setor de engarrafamento e distribuição do gás liquefeito de petróleo (GLP), o popular gás de cozinha. A integração completa foi concluída em 2012, depois de uma reorganização societária.

Presente em 23 estados, atende mensalmente 35 milhões de consumidores residenciais, conta com 23 centros operativos, 19 depósitos e conta com quase 5 mil revendedores autorizados. Porém, toda essa operação está prestes a sair do controle da petroleira brasileira.

Em 2018, a Ultragaz fez uma proposta de R$ 2,8 bilhões para adquirir a Liquigás, mas o negócio foi barrado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), pois o grupo Ultra teria mais de 60% de participação em alguns estados brasileiros.

Mesmo com a negativa, a Petrobras não desistiu de vender a companhia do ramo de GLP. No mês de novembro de 2019, o grupo Copagaz fez uma proposta de R$ 3,7 bilhões, e que foi aceita pela petroleira estatal. Entretanto, a venda ainda precisa ser aprovada pelos órgãos competentes.

Investimentos

Porém, não é só de vendas que vive a maior empresa do Brasil. A exploração do pré-sal segue a todo vapor, com os poços em campos de alta profundidade batendo recorde de produção a cada mês. Eles também já são os maiores produtores de petróleo do País, respondendo por cerca de 60% do óleo extraído em território nacional.

A complexidade da operação no pré-sal exige constantes esforços financeiros da Petrobras. Em agosto de 2019, o presidente da companhia Roberto Castello Branco anunciou um investimento pesado para os próximos anos. Até 2022, a empresa brasileira vai injetar US$ 54 bilhões no estado do Rio de Janeiro. Desse total, US$ 20 bilhões serão destinados à Bacia de Campos, onde estão alguns dos campos de exploração do pré-sal. O aporte será utilizado para comprar blocos exploratórios e firmar parcerias voltadas à recuperação de campos de petróleo.

Também no estado fluminense, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) receberá mais investimentos para a conclusão de sua construção. Em obra desde 2008, o local tem recebido US$ 4 bilhões da companhia estatal. Esse aporte será utilizado para a construção do gasoduto Rota 3, que vai ligar o pré-sal à costa brasileira e à usina de processamento de gás natural.

Petróleo e a economia

Maior empresa do Brasil e 50ª maior do mundo, de acordo com a Forbes, a Petrobras tem papel vital para a economia brasileira. Todo esse cenário de vendas de ativos da companhia tem sido importante para a recuperação financeira da empresa. Após sucessivos prejuízos, a companhia encerrou 2018 com lucro de R$ 25,7 bilhões em 2018. O cenário também é positivo em 2019, já que a empresa acumulou R$ 32 bilhões de lucro até o mês de setembro.

Toda essa melhoria tem sido reconhecida internacionalmente. A agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) elevou a nota de crédito stand-alone da Petrobras. Ela deixou de ser “bb-” e subiu para “bb”, com perspectiva estável, logo no começo de 2019.

Segundo a agência, a melhoria na nota reflete o crescimento da produção e gestão de portfólio da estatal. Esse fôlego nas finanças é essencial para o futuro da empresa e, consequentemente, para a economia do Brasil.

Por mais que seja um recurso não renovável, o petróleo ainda é uma fonte de energia importante para o cenário mundial. Há uma forte campanha mundial pelo fim dos combustíveis fósseis, como a gasolina e o óleo diesel. E, por mais que eles devam perder cada vez mais terreno nos próximos anos, ainda há diversos derivados do petróleo que são utilizados no dia a dia da maioria das pessoas. O GLP, por exemplo, está presente em grande parte das cozinhas. Materiais plásticos seguem produzidos em larga escala, assim como alguns tipo de solventes, a parafina e os lubrificantes industriais.

Por ser a matéria-prima que dá origem a todos esses materiais, o petróleo segue sendo um dos bens naturais mais valorizados no planeta. Com a exploração dos campos de pré-sal, uma das maiores reservas do mundo, o material fóssil ganhou ainda mais importância para o Brasil, já que ele pode ser vendido cru ou refinado para o mercado externo.

Mesmo se desfazendo de alguns poços, os que estão na camada abaixo do sal são importantes para a estratégia da Petrobras. Isso pôde ser visto nos leilões realizados em novembro de 2019. O bloco de Aram foi arrematado pela brasileira (80%) e pela chinesa CNODC (20%). Porém, foi no megaleilão de cessão onerosa que a estatal brasileira se destacou.

Ela ficou com 100% do Bloco de Itapu e 90% do de Búzios, desembolsando quase R$ 70 bilhões pelas duas áreas. Mesmo com todo esse investimento, a companhia tem direito a R$ 34,6 bilhões de ressarcimento por lei.

Com as contas em dia e voltando a ter bons lucros, a Petrobras tem tudo para seguir como a maior companhia do Brasil. Entretanto, é importante saber administrar os recursos para que uma nova crise não atinja a companhia, que correu sérios riscos nos últimos anos.

O cenário é amplamente favorável. Há uma imensa riqueza no fundo do mar e que pode gerar cada vez mais receita à Petrobras, já que o petróleo e seus derivados, como o gás natural, devem seguir atraindo investidores nos próximos anos. Com o dinheiro entrando, é preciso saber converter os ganhos financeiros do petróleo em investimentos para um futuro mais sustentável, desenvolvendo os estudos em fontes renováveis, já que essa é a grande tendência das próximas décadas.

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